OS AUSTRÍACOS E A TEORIA MONETÁRIA

Clube Caiapós
4 min readJul 13, 2018

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Conforme é sabido, a Escola Austríaca tem grandes contribuições à teoria econômica, inclusive no segmento hoje conhecido como “macroeconomia”, que inclui teoria dos ciclos econômicos, teoria do capital e teoria monetária. Neste texto, trataremos especificamente deste último tema.

A primeira grande contribuição dos austríacos à teoria monetária é apresentada na obra “Teoria da Moeda e do Crédito”, de Ludwig Von Mises. Nela, o autor integra as teorias da moeda, do capital e da utilidade marginal de Carl Menger para explicar fenômenos monetários. Mises argumenta que a moeda surge através do processo de mercado, de ações individuais não intencionadas que levam os agentes a perceber a superioridade de efetuar trocas indiretas (utilizando algum meio de troca) em relação às trocas diretas (escambo). É importante destacar que, para os austríacos, o papel central da moeda é servir como um meio de troca.

O autor também soluciona a questão de como a moeda surge e obtém seu valor com o “Teorema da Regressão”, sobre o qual trataremos adiante.

O Problema da Circularidade

A utilidade e a demanda por moeda de um indivíduo dependem do preço pré-existente da moeda, isto é, do seu poder de compra, mas então como seu preço poderá ser função da demanda? Este é o conhecido problema da circularidade: tentar derivar o preço da moeda a partir de sua demanda/utilidade, enquanto estes últimos são uma função do próprio preço. Em comparação, a “valoração” de outros bens não sofre desse mal, uma vez que demandamos estes outros para consumo e não para servir de meio de troca. É exatamente por ter um valor de troca pré-existente que a moeda é demandada, pois é esse valor que vai determinar quantos bens e serviços poderemos adquirir.

Temos então o seguinte esquema: o valor da moeda hoje (Vt) é determinado pela interação da oferta e demanda de moeda em t, demanda que depende da utilidade marginal da moeda, que por sua vez depende do valor pré-existente da moeda (Vt-1). Podemos continuar o raciocínio em que Vt-1 depende da demanda em t-1 que é função de Vt-2, e assim por diante. O já mencionado Teorema da Regressão sustenta que se regredirmos o suficiente até o dia em que a moeda não era usada como meio de troca (t=0), mas somente para consumo, seu valor V0 não é função de V-1, mas sim do seu valor direto de consumo naquele dia 0.

Um exemplo pode nos ajudar a compreender o problema. Se no dia 0 o ouro era somente usado para consumo direto (enfeites e adornos, por exemplo), e no dia 1 ele passou a ser usado como um meio de troca por conta do seu poder de compra no dia 0 (V0), o ouro, nesse caso, passaria a ser uma moeda-mercadoria.

De onde surgem as moedas?

Através do processo de mercado, os agentes percebem ser mais vantajoso utilizar uma só mercadoria como meio de troca, a qual possua certas propriedades físicas que a tornam superior em relação a outras possíveis candidatas a moedas-mercadoria.

O essencial é entender que o dinheiro só pode surgir de uma maneira orgânica, de dentro do mercado. Ele deve ter sido primeiro uma mercadoria utilizada para consumo direto, para só então se tornar meio de troca. A partir disso, não faz sentido afirmar que a moeda possa ser “criada” através de decretos governamentais ou contratos sociais, como a Teoria Monetária Moderna afirma.

Inflação

Diferentemente de outros bens, um aumento na oferta de moeda não causa benefício algum para a sociedade, uma vez que esse aumento não altera o serviço de meio de troca e somente reduz o poder de compra que o dinheiro tem. O que nos torna mais ricos é o aumento da quantidade de bens pelos quais podemos trocar nossa moeda, isto é, a criação de riqueza. O aumento generalizado e contínuo dos preços, é a consequência e não a causa da inflação, que deve ser entendida como uma redução progressiva do poder de compra da moeda.

Sobre a “neutralidade” da moeda

Imaginemos agora, que, do nada, seja dobrada a quantidade de moeda que cada indivíduo da economia possui. O que aconteceria com os preços? Mantidas constantes as preferências dos agentes e a oferta disponível de bens e serviços, cada indivíduo iria gastar o excesso de dinheiro que agora passou a ter, e os preços iriam, ao longo do tempo, subir pois as pessoas iriam competitivamente “dar lances” para comprar os produtos.

A particularidade da contribuição austríaca para essa análise é a de que variações na quantidade de dinheiro não causam um aumento simultâneo, simétrico ou proporcional dos preços relativos dos bens. Segundo os austríacos, as variações no estoque de moeda não são neutras, ou seja, não afetam uniformemente os preços e causam distorções nos padrões de produção da economia, isto é, em sua estrutura de capital.

Conclusão

A abordagem austríaca para a inflação, deflação, desemprego, crises econômicas e outros fenômenos macroeconômicos, não utiliza de uma teoria monetária ou macroeconômica separada das demais teorias, assim como os neoclássicos. Ela integra as teorias da moeda, do capital, dos ciclos econômicos e do processo dinâmico pelo qual o mercado é formado visando explicar e dar uma fundamentação calcada epistemologicamente no individualismo metodológico. Não existe uma separação conceitual de onde “começa” e onde “termina” a teoria monetária austríaca.

Por Sergio Eduardo Motta

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Grupo de Cultura e Extensão da FEA-RP/USP voltado ao estudo e promoção das ideias do liberalismo na Academia.