O QUE É A ESCOLA AUSTRÍACA?

Clube Caiapós
5 min readJul 10, 2018

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É impossível compreender a história do pensamento econômico se não atentarmos para o fato de que a economia tem sido um desafio à vaidade dos detentores do poder. Um verdadeiro economista jamais será benquisto por autocratas e demagogos, que sempre o considerarão um encrenqueiro e que, quanto mais estiverem intimamente convencidos de que suas objeções são corretas e fundamentadas, mais o odiarão. — Ludwig von Mises (1949)

Por que existem “escolas” de pensamento?
Em se tratando de Economia, você já deve ter ouvido falar de diferentes correntes de pensamento econômico. E isso acontece em grande parte das ciências sociais: existem diversos grupos que discordam quando se propõem a dar explicações sobre o mundo. E essa discordância tem uma natureza comum: a complexidade dos fenômenos estudados.

Adam Smith ao centro, considerado o “Pai da Economia”

Desde Karl Popper, os cientistas têm se acostumado a uma ideia pouco consoladora: a de que nós nunca chegaremos à verdade, mas sim a boas aproximações desta. “A ciência é sempre uma busca, jamais uma descoberta”, diz ele. Agora imagine quando tratamos de Economia, uma ciência que lida com pessoas agindo e interagindo entre si. A complexidade é tão grande que,
ao contrário das ciências naturais (como a física e a química), é bastante difícil fazer experimentos controlados que comprovem que as ideias de um grupo estão certas e as dos outros estão erradas.

Assim sendo, há séculos diferentes abordagens (ou “escolas de pensamento”) coexistem para dar diferentes explicações aos problemas econômicos. Isso, porém, não significa que refutações não aconteçam neste campo do conhecimento. A ciência avança com a abertura a novas explicações sobre os fenômenos, as quais são submetidas à crítica dos demais. Teorias clássicas como a do valor-trabalho, a teoria populacional malthusiana ou a lei de ferro dos salários ricardiana são exemplos de teorias que não resistiram à crítica e não se sustentaram com o passar dos anos.

A Escola Austríaca
A mais antiga escola de pensamento econômico, viva ainda hoje, é a chamada Escola Austríaca de Economia. Ela nasceu em Viena, em 1871, com a publicação do livro “Princípios de Economia” de Carl Menger. Desde então, vem dando grandes contribuições à teoria econômica com, por exemplo, a introdução da análise marginal e subjetivista do valor, as noções de custo de oportunidade e preferência temporal, além de suas teorias do capital e dos
ciclos econômicos, seu trato de economia da complexidade, do processo de mercado etc. Mas não só: os austríacos também deram grandes contribuições às áreas da filosofia moral, epistemologia e direito, por exemplo.

Escola Austríaca e seus pensadores

Assim sendo, a Escola Austríaca se desenvolveu ao longo dos anos como uma tradição de pensamento que tem sólidos fundamentos e que sempre dialogou com as demais correntes de economistas. Menger foi responsável pela conhecida “Batalha do Método” travada com o historicista Schmoller. Uma das grandes contribuições de Böhm-Bawerk foi a de apontar todas as fragilidades da teoria da exploração de Marx. Mises tornou-se conhecido por sua ferrenha oposição intelectual às ideias socialistas, keynesianas e positivistas do século XX. O debate público entre Hayek e Keynes ficou conhecido como “o maior duelo econômico da história”, sendo que Hayek, inclusive, chegou a ser agraciado com o Nobel da Economia.

F. A. Hayek (esquerda) e J. M. Keynes (direita)

Não obstante estas indiscutíveis e indeléveis contribuições, alguns economistas — especialmente os mais jovens — preferem delegar um papel secundário à Escola Austríaca no âmbito da Ciência Econômica, especialmente pelos austríacos optarem por uma postura metodológica subjetivista e de formalização verbal, a qual se opõe à mensuração de parâmetros econômicos e à formalização matemática de modelos, o que, segundo eles, tornaria sua abordagem anacrônica. Esta crítica, porém, é no mínimo discutível. Os austríacos são, à sua maneira, herdeiros da tradição dos economistas clássicos, a quem os marginalistas (dentre eles Menger) criticaram por sua teoria do valor, não por seu método. Mesmo assim, boa parte dos jovens economistas prefere alcunhar de “sectários” pensadores e acadêmicos que atuem à revelia do positivismo lógico.

Ideias e conceitos principais
Poderíamos, a feito de síntese, como fez Fritz Machlup (1981), listar algumas características e pressupostos comuns a todos os economistas da Escola Austríaca, os quais sejam:

a) Individualismo metodológico: ao contrário dos marxistas, os austríacos não acreditam na ação de coletivos, estratos ou classes sociais (holismo metodológico); em toda e qualquer parte, quem age são os indivíduos;

b) Subjetivismo metodológico: se quem age é o indivíduo, cujas preferências são únicas e imensuráveis e cujo conhecimento é limitado, a economia precisa de uma abordagem subjetivista que compreenda a ação individual tal qual ela é;

c) Ação propositada: os indivíduos agem quando vislumbram que podem alcançar um estado mais satisfatório, ponderam meios através dos quais podem obter o fim desejado, consideram os custos de oportunidade de suas escolhas, e ainda refletem acerca dos riscos e incertezas de sua ação.

d) Preferência temporal: as escolhas (subjetivas) dos indivíduos refletem sua preferência temporal, isto é, se estão mais voltados para o presente ou para o futuro. Essa preferência se reflete no mercado de crédito e é o que determina a estrutura de produção da economia.

e) Mercado como processo: ao contrário de boa parte dos teóricos da economia, os austríacos optam por analisar processos de mercado no lugar de equilíbrios de mercado. Na primeira abordagem, dá-se ênfase no processo empreendedorial, o qual depende de instituições, criatividade, inovação etc., ao contrário da segunda, que parte de preferências dadas, tecnologia constante e homogênea etc.

A importância das ideias
Mises certa feita disse que somente ideias poderiam iluminar a escuridão. Ele próprio foi grande exemplo daqueles homens que colocam suas vidas à disposição de seus ideais, e sofreu a duras penas a consequência de fazê-lo.

Defender a liberdade sempre foi tarefa árdua, ainda mais no século XX, quando pululavam extremismos à esquerda e à direita. Mises, por exemplo,
teve seu apartamento invadido por nazistas e refugiou-se nos Estados Unidos, e mesmo sendo um economista dos mais brilhantes, tendo orientado nomes como Friedrich Hayek, Murray Rothbard, Lionel Robbins, Fritz Machlup, Eric Voegelin e Oskar Morgenstern, jamais foi professor pago por uma universidade.

Ideias têm consequências. Saber disso é a chave para se ter responsabilidade com aquilo que se defende. Em seu O Caminho da Servidão, Hayek (1944) asseverou que “se, a longo prazo, somos criadores do nosso destino, de imediato somos escravos das ideias que criamos”. Deve ser por isso que, mesmo à revelia do mainstream econômico, os austríacos vêm defendendo
suas teses sempre com rigor acadêmico, resguardados pela ideia de que todo e qualquer fim socialmente desejável deve ter como pressuposto básico a liberdade individual.

Por Marcelo Lourenço Filho

HAYEK, F. O Caminho da Servidão [1944]. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.
MACHLUP, F. Ludwig von Mises: A Scholar Who Would Not Compromise. Disponível em: < www.mises.org/library/ludwig-von-mises-scholar-who-would-not-compromise>. Mises Institute, 1981.
MISES, L. Ação Humana: Um Tratado Sobre Economia [1949]. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.

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Grupo de Cultura e Extensão da FEA-RP/USP voltado ao estudo e promoção das ideias do liberalismo na Academia.