Austríacos e os clássicos do pensamento econômico: Cantillon, Bastiat e Galiani

Clube Caiapós
4 min readJul 28, 2018

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Conforme visto em nosso artigo introdutório, os economistas austríacos são considerados, dentro do pensamento liberal e da academia, os herdeiros da tradição econômica iniciada pelos clássicos. Dentro da história do pensamento econômico, cada um dos autores clássicos têm obras muito relevantes para a abordagem e o entendimento da cosmovisão liberal.

Dentre os principais, é possível citar: Cantillon, Bastiat, Galiani e Say. Tais autores são expoentes do liberalismo clássico e, conforme obra de Iorio (2018), são considerados “protoaustríacos”, dada a grande influência q ue tiveram sobre a tradição iniciada por Menger no século XIX.

Richard Cantillon (168? — 1734) foi um economista irlandês. Seu sucesso derivou em grande parte das conexões políticas e empresariais. Ele ficou bastante conhecido por seu envolvimento com finanças e por ter ganhado muito dinheiro com a conhecida bolha de John Law e sua Companhia do Mississipi. Sua morte tem razões desconhecidas até hoje.

Ensaio sobre a Natureza do Comércio e Richard Cantillon, o autor

Cantillon é autor do Ensaio sobre a Natureza do Comércio em Geral, um livro considerado por Jevons como o “berço da economia política”. Jevons, o economista creditado como o redescobridor de Cantillon, classificou o Ensaio como “um tratado sistemático e conectado, cobrindo, de uma forma concisa, quase todo o campo da economia”. No livro, Cantillon explora diversas questões, que vão desde teoria monetária (em que introduz a ideia de não-neutralidade da moeda, ou o “efeito Cantillon”) até a importância da atividade do empreendedor, enquanto agente cuja renda depende de inovação e capacidade de atender a demandas futuras dos consumidores.

É sabido que grandes economistas clássicos como Adam Smith, Turgot e Mill foram leitores e tiveram grande influência de Cantillon, cuja obra viria a ser, conforme Thorton (1999), grande inspiração para a fundação e continuação da tradição austríaca.

Frédéric Bastiat (1801–1850) foi um economista, deputado e jornalista. A maior parte de sua obra foi escrita durante os anos que antecederam e que imediatamente sucederam a Revolução de 1848, conhecida como Primavera dos Povos. Nessa época, eram grandes as discussões em torno do socialismo, para o qual a França pendia fortemente. Como deputado, Bastiat teve a oportunidade de se opor vivamente às ideias socialistas, fazendo-o através de seus escritos, cujo estilo era cheio de humor e sátira. Este estilo chegou a ser motivo de Karl Marx considerá-lo um “economista vulgar”.

Frédéric Bastiat

Um princípio domina toda sua obra: a lei deve proteger a personalidade, a liberdade e a propriedade de cada um. Infelizmente, ela pode ser pervertida e posta a serviço de interesses particulares, tornando-se, então, um instrumento de espoliação. É desta forma que Bastiat, segundo quem só existem trocas voluntárias ou espoliação, analisa o funcionamento do estado, esta “grande ficção através da qual todo mundo se esforça para viver às custas de todo mundo”. Para ele, protecionismo, intervencionismo e socialismo são as três forças de perversão da lei.

Por último, destaca-se que ele, pela grande influência que teve dos autores liberais franceses (parte dos quais é chamada de “fisiocratas”), dá muita ênfase ao mecanismo de incentivos e de coordenação pelo qual é regido o livre mercado — tema que é muito caro aos austríacos. Ele desenvolveu uma séries de termos e analogias que são conhecidos até hoje, como a da “janela quebrada” (que critica os gastos do governo), a fábula dos fabricantes de vela (que critica o protecionismo) e o mecanismo daquilo “que se vê e o que não se vê” (analogia à coordenação não centralizada dos mercados).

Ferdinando Galiani (1728–1787) foi um economista italiano conhecido por suas contribuições para a teoria do valor, teoria do interesse e política econômica, tópicos que foram explorados um século depois por Menger, Böhm-Bawerk, Jevons, Walras, Marshall e pela Escola Histórica Alemã.

Ferdinando Galiani

Galiani defendia, antes da chamada Revolução Marginalista, que o valor de um bem não é intrínseco; é um cálculo ou relação entre bens que as pessoas fazem em relação a outros bens. Os homens comparam um bem ao outro e só fazem uma troca quando o nível de satisfação do bem pretendido for superior ao daquele que se possui.

Ele também reconheceu a existência do fenômeno hoje denominado de “elasticidade da demanda”. Se o preço dos sapatos aumentar, os consumidores podem atrasar a compra de um par e continuar a usar os sapatos que já possuem até o preço cair. Mas se o preço do grão subir, os consumidores continuarão a comprar pão de qualquer maneira. Caso contrário, eles morreriam de fome. A demanda por sapatos é altamente elástica, enquanto a demanda por grãos é inelástica. Marshall fez uma observação semelhante um século depois.

Além disso, ele também tinha noção exata do conceito subjetivo de utilidade. Conforme aponta McGee (2010), quando Davanzati afirmou que um bezerro vivo é mais nobre e mais barato que um bezerro de ouro, e que um quilo de pão é mais útil que um quilo de ouro, Galiani respondeu que “útil” e “menos útil” são conceitos relativos e dependem de circunstâncias e preferências individuais.

Por Bruno Passos

Referências

IORIO, Ubiratan Jorge. Dos protoaustríacos a Menger: Uma breve história das origens da Escola Austríaca de Economia. São Paulo: Editora LVM, 2018.

MCGEE, Robert W. Ferdinando Galiani, an Italian Precursor to the Austrians. Disponível em: <https://mises.org/library/ferdinando-galiani-italian-precursor-austrians>. Mises Institute, 2010.

THORTON, Mark. Richard Cantillon: The Origin Of Economic Theory. In: HOLCOMBE, Randall G. The Great Austrian Economists. Alabama: Mises Institute, 1999.

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Grupo de Cultura e Extensão da FEA-RP/USP voltado ao estudo e promoção das ideias do liberalismo na Academia.