A moderna Escola Austríaca: Garrison, Hoppe, Huerta de Soto e Block

Clube Caiapós
7 min readAug 23, 2018

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“Da forma como a enxergo, a Economia Austríaca contemporânea é um programa de pesquisas progressivo e não um corpo resolvido de pensamento e esse é o único caminho a seguir — o que significa que não devemos nos preocupar com a fidelidade às obras de qualquer pensador passado ou presente e sim em apenas buscar a verdade tal como a enxergarmos, acharmos e tomarmos ideias produtivas onde quer que possamos encontrá-las.” - Peter Boettke

Nesse texto, abordaremos as contribuições mais importantes de tres representantes da chamada “Moderna Escola Austríaca”. No curso do desenvolvimento da Escola Austríaca, a segunda metade do século XX mostrou-se um período rico em contribuições de autores de diferentes países, com trabalhos sendo realizados em diferentes localidades e universidades, destacam-se dois centros de referência em pesquisas com temáticas austríacas.

Ambas nos Estados Unidos estão a Universidade de Auburn, no Alabama, e a Universidade George Mason, em Vírginia. No primeiro encontra-se o Mises Institute, referência em pesquisas com a temática austríaca (Garrison, Hoppe e Block são membros-sênior do Instituto), e no segundo encontra-se o Mercatus Center, think tank voltado para ensino e pesquisa sob a perspectiva de livre mercado.

Iniciaremos falando sobre Roger Garrison. Sua contribuição mais importante é na chamada macroeconomia austríaca, que é baseada no estudo das estruturas de capital e as mudanças nas mesmas decorrentes dos ciclos econômicos, inicialmente abordada por Mises e depois desenvolvida por Hayek nos anos 30. No modelo keynesiano convencional que pauta a macroeconomia dita “mainstream” (a mais aceita no meio acadêmico), consumo e investimento são componentes da “demanda agregada”, e quanto maiores os valores desses componentes somados, maior o valor da demanda agregada, ou seja, maior o valor do produto da economia. A abordagem austríaca, por outro lado, encara consumo e investimento como duas grandezas que são não complementares; utilizando o referencial teórico da “fronteira de possibilidades de produção” (gráfico abaixo) se o consumo aumenta, o investimento necessariamente diminuirá, pois os recursos monetários são escassos, e o indivíduo deverá escolher, sob uma perspectiva intertemporal e levando em conta a taxa de juros para realizar sua escolha, a melhor maneira de alocar seus recursos entre consumo e investimento. Vale pontuar que Garrison aborda o investimento levando em consideração o capital como uma massa não homogênea, e sim como uma estrutura que envolve a produção de bens de diferentes ordens (assim como Menger e Hayek abordaram anteriormente), sendo que bens de ordem superiores servem como insumos para bens de ordens mais baixas. Citando um exemplo simples, o pão, um bem de primeira ordem, utiliza como insumos na sua produção farinha (segunda ordem), e a farinha é oriunda do trigo, um bem de terceira ordem. A abordagem completa sobre a contribuição de Garrison para a macroeconomia austríaca está em seu livro “Time and Money: The Macroeconomics of Capital Structure”.

Gráfico 1: Fronteira de Possibilidades de Produção

Outro grande nome desse grupo éJesús Huerta de Soto, espanhol nascido em Madri em 1956, é provavelmente o maior nome da Escola Austríaca na Espanha e um defensor ferrenho do Anarcocapitalismo (assim como Block e Hoppe, que abordaremos a seguir), teoria que defende a inexistência da instituição do estado. Além das suas contribuições na Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE), para o autor deste texto, a contribuição principal de Huerta de Soto é sua crítica voraz ao Liberalismo Clássico. Em seu artigo “Liberalismo Clássico versus Anarcocapitalismo”, ele pontua que os liberais clássicos, ou somente liberais, defendem o estado mínimo, porém existente. Entretanto, Soto aponta que o estado não consegue obter informações completas sobre as preferências individuais dos membros de uma sociedade, assim como não pode agregar essas preferências em uma preferência coletiva única (nota-se uma semelhança com o problema do conhecimento de Hayek), portanto o estado, ao supostamente tomar essas informações distorcidas como dadas e utilizá-las para suas ações, cometerá erros de coordenação. A única alternativa para o problema de coordenação social e cooperação compatível com a natureza, então, é o anarcocapitalismo, o sistema de mercado sem intervenção estatal coercitiva, baseado nas relações voluntárias entre indivíduos.

“O erro fatal dos liberais clássicos jaz na incapacidade de entender que o ideal por eles defendido é teoricamente impossível, uma vez que ele contém as sementes da sua própria destruição — afinal, sua teoria inclui a necessária existência de um estado (mesmo um mínimo), subentendido como o agente que detém o poder exclusivo da coerção institucional.”

Em suma, além de ser impraticável a ação do estado em querer controlar a esfera da vida dos indivíduos por meio de regras coercitivas, tributação e “monopólio da agressão institucional”, o “meio do caminho”, ou seja, a mistura entre público e privado em aspectos econômicos levará inevitavelmente a uma supressão da iniciativa privada pela esfera pública através de regulamentações, normatizações e outras ferramentas burocráticas institucionalizadas e autorizadas pelo próprio aparato estatal.

Figura 2 — Quadrantes usados por Huerta de Soto para definir o “fluxo de ideologias”

Walter Block, ex-aluno de Rothbard e outro grande defensor do anarcocapitalismo, é mais um que não poderia ser deixado de lado dadas suas contribuições em diferentes áreas, sendo a considerada mais relevante e conhecida a sua defesa pela privatização de tudo. Em seu livro “The Privazation of Roads and Highways”, ele contrapõe a visão econômica neoclássica sobre ruas, avenidas e rodovias como algo que necessariamente deve ser fornecido pelo estado e afirma que é possível não somente gerir mas construir e manter tais construções através do mecanismo de mercado. Block, em outros livros como “Defendendo o Indefensável”, toca em temas ásperos como prostituição, comércio de drogas, jogos de azar e outras atividades econômicas atualmente à margem da sociedade, e trata desses temas aplicando a ótica do livre mercado, demostrando seus méritos em termos econômicos. Mais do que somente abordar essas profissões, através de um “choque de realidade” como diz Rothbard no prefácio do livro, Block mostra a importância das diferentes atividades econômicas para uma sociedade e aborda a moralidade dessas atividades, em contraposição às atuais proibições do governo através de leis, regulamentações e diversas outras formas de intervenção. Em suma, o argumento principal de Block está na defesa no “princípio de não-agressão”, princípio caro aos libertários. Por esse princípio, é ilegítimo iniciar violência contra outra pessoa, a menos que tal ato seja necessário para legítima defesa. Ao proibir certas atividades comerciais por julgá-las imorais ou prejudiciais, o estado impede a manifestação dos desejos individuais e fere o princípio de não-agressão das pessoas envolvidas em tais atividades.

Por fim, não poderia faltar Hans-Hermann Hoppe. Alemão de nascença, é outro ex-aluno de Murray Rothbard. Defensor ferrenho do anarcocapitalismo, grande parte da sua contribuição está pautada em temas como metodologia do pensamento econômico e ciência política.

Em seu livro “A ciência econômica e o método austríaco”, Hoppe explicita o que se caracteriza como apriorismo radical, atribuindo à ciência econômica um caráter apriori, ou seja, excluindo a possibilidade de utilização de métodos quantitativos originários das ciências exatas. Não se pode prever o futuro a partir de dados previamente coletados e, tomando esses dados como fixos e estáticos, gerar a partir deles previsões. O argumento central de Hoppe baseia-se no argumento previamente abordado por Mises que caracteriza a economia como uma ciência oriunda de outra ciência mais abrangente chamada “praxeologia”, ou ciência que estuda o comportamento e a ação humana. A economia, assim como a lógica e a matemática, não está sujeita à verificação baseada na experiência passada.

Outra área quem que Hoppe dispende tempo e faz uma análise minuciosa é na questão da estrutura política. Em seu livro “Democracia: O Deus que falhou”, ele faz uma crítica contundente à democracia, analisando desde modelos primitivos de democracia até os modelos atuais de democracia e seus representantes. Como Hoppe diz em seu prefácio, “ela (a democracia) é uma máquina de destruição e riqueza, de desperdício econômico e de empobrecimento. (…) uma causa sistemática de corrupção moral e degeneração”. Adiante no livro, compara monarquias dinásticas com repúblicas democráticas. Na monarquia dinástica, o rei seria equivalente ao dono do país, pois seu poder passa pelas gerações futuras de sua família e assim teria incentivos a manter uma ordem estabelecida no país, ao passo que um presidente eleito é como um “zelador temporário” ou inquilino, e dessa forma possui incentivos para tirar proveito de sua gestão, explorando a população e a economia local através de leis e arranjos vantajosos para o gestor eleito, sem se importar com o futuro.

Não se pode limitar o conhecimento, muito menos gerar barreiras que dificultem sua propagação. No texto anterior, nota-se a importância de permanecer firme nos ensinamentos de seus mestres e lideres intelectuais, e não permitir que essas barreiras impeçam o crescimento da ciência. Muitos outros autores foram deixados fora desse texto por motivos de restrição de espaço/tempo, mas mereceriam o mesmo destaque. O que fica de lição é a importância do progresso contínuo nas pesquisas com temática austríaca. Somente com essa perseverança, haverá o crescimento na divulgação e na evolução sistemática da Escola Austríaca como escola de pensamento econômico.

Nao se pode limitar o conhecimento, muito menos gerar barreiras que dificultem sua propragacao. No texto anterior, nota-se a importância de permanecer firme nos ensinamentos de seus mestres e lideres intelectuais, e não permitir que essas barreiras impecam o crescimento da ciencia. Muitos outros autores foram deixados fora desse texto por motivos de restricao de espaco/tempo, mas mereceriam o mesmo destaque. O que fica de licao e a importância do progresso continuo nas pesquisas com tematica austriaca. Somente com essa perseveranca, havera o crescimento na divulgacao e na evolucao sistematica da Escola Austriaca como escola de pensamento economico.

Por João Fernando Rossi Mazzoni

Referências

BLOCK, Walter. Defendendo o Indefensável.São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. Disponível em: <https://www.mises.org.br/Ebook.aspx?id=27>
HOPPE, Hans-Hermann. A ciência econômica e o método austríaco. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. Disponível em: <https://portalconservador.com/livros/Hans-Hermann-Hoppe-A-Ciencia-Economica-e-o-Metodo-Austriaco.pdf>
ROTHBARD, Murray. Por que ser um economista? Para ser feliz, ora essa! São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2008. Disponível em: <https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=19>
SOTO, Jesus Huerta de. Liberalismo clássico versus anarcocapitalismo. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. Disponível em: <https://www.mises.org.br/Article.aspx?id=482>

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Grupo de Cultura e Extensão da FEA-RP/USP voltado ao estudo e promoção das ideias do liberalismo na Academia.